quinta-feira, 24 de março de 2011

Resenha: Sem Contos Longos, de Wilson Gorj

Há algo de irresistível na micronarrativa, algo que a distingue das outras formas literárias. Muitas pessoas a associam ao ritmo de vida pós-moderno e às novas tecnologias, isso porque alguns microcontistas estão usando o twitter, com o seu limite de 140 caracteres, como plataforma de publicação. Interessante. Se eu fosse um empresário muito atarefado, desses que passam o tempo todo voando de lá para cá, acharia ótimo ter os cem contos de Sem Contos Longos, primeiro livro de Wilson Gorj, em meu celular. Assim, poderia apreciá-los numa viagem de avião, por exemplo. Mas eu não sou empresário e não passo muito tempo em aviões, de modo que comecei a ler este livro da mesma maneira que leio qualquer livro, ou seja, sentado na poltrona. Ao longo da leitura, porém, fiz algumas descobertas. Por exemplo: descobri que os microcontos são ótimos para se ler em pé. Foi assim que li o conto 10 – o do casal que ainda estava pegando fogo na Quarta-Feira de Cinzas. Também li alguns contos no intervalo de uma partida de futebol, entre eles o conto 26 – o da mulher que estava sempre sorrindo até que, com o sorriso se apagando, foi removida do outdoor. Em quinze minutos, seria possível ler um bocado deles, já que são realmente curtinhos, mas o fato é que os contos do Gorj são como aqueles objetos muito peculiares que ficamos revirando obstinadamente na mão, a fim de examiná-los de diversos ângulos. Os efeitos que eles nos provocam são dos mais inusitados. O conto 2, por exemplo – o de alguém que vai deixando lágrimas pelo caminho até que uma formiga se afoga – nos obriga a dar uma espécie de zoom. Todos eles têm alguma sacada, alguma artimanha, algum trocadilho (o próprio título do livro já contém um trocadilho), de modo que a segunda leitura é sempre diferente do que a primeira.


O meu conto preferido é o 6 – o do cara que tomou um porre homérico e acordou com uma enxaqueca dantesca. Soltei essa frase num bar (dando os devidos créditos ao autor) e ela fez bastante sucesso. Um fato curioso de Sem Contos Longos, que interfere bastante na leitura, é que, aparentemente, os contos estão ordenados por tamanho, não de maneira exata, mas bem aproximada. O primeiro conto tem apenas duas linhas, o octogésimo tem dez e o centésimo tem vinte e duas. Aliás, parece que a narrativa curta está subdividida em miniconto, microconto e nanoconto, mas isso deve ser bastante subjetivo. Como romancista e apreciador da narrativa longa, confesso que tenho alguns problemas com essa concisão toda. O principal é que, em tão pouco espaço, não há muita chance para a catarse. Não digo que a catarse seja impossível no microconto (talvez até no nanoconto ela exista), e acho até que muitos textos do Gorj podem ter surgido de um estado catártico, mas, nesse caso, eles nos mostram apenas uma fatia da descarga emocional, e não todo o processo, não todos os estágios. Com frequência o romancista precisa de dez ou vinte páginas apenas para criar o clima da catarse, que, além de tudo, serve para proteger as palavras mais delicadas, ao passo que um livro de microcontos carece desse material esponjoso, desse plástico-bolha, deixando as suas pérolas totalmente expostas. Um microconto não tem carne, é puro esqueleto. Ou melhor, os microcontos têm carne, sim (e no caso dos microcontos do Gorj, de primeira qualidade), mas essa carne não está no texto, está no subtexto, nas entrelinhas, nos silêncios, nas alusões, nas elipses. Acho que a micronarrativa é mais um formato do que propriamente um gênero, e uma das virtudes de Wilson Gorj é que ele explora muito bem todas as possibilidades da Arte: a comédia, a tragédia, o erotismo, observações do cotidiano, alegorias filosóficas etc. Sem Contos Longos foi publicado em 2007. O segundo livro do autor, Prometo Ser Breve, publicado em 2010, já está em minha estante. Pretendo incluí-lo na minha série de resenhas. Wilson Gorj tem um blog muito interessante chamado O Muro e Outras Páginas, no qual é possível ler vários dos seus contos, além de entrevistas e artigos literários. Para visitar O Muro e Outras Páginas, clique aqui.

4 comentários:

  1. Pablo,

    Lisonjeado com a sua resenha. Muito bem escrita. Suas observações foram ótimas. Mais que isso, generosas. Valeu mesmo.

    Um grato abraço
    W. Gorj

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  2. Pablo,
    Uma resenha muito bem escrita, gostosa de ler, e principalmente séria e competente, como a obra do Gorj.
    Parabéns meu amigo, é muito bom ler.
    abraços
    Tonho França

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  3. Legal Pablo! Nunca pensei que alguem conseguia escrever contos de duas linhas... atendendo as caracteristicas que eu entendo que um conto deva ter. vou procurar conhever o autor. abração e sucesso! Carlos.

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  4. Wilson e Tonho, obrigado pelos elogios! É uma satisfação tê-los em meu blog!

    Carlos, vale a pena conhecê-lo! Acho que Sem Contos Longos tem tudo para se tornar um clássico da microficção brasileira!

    Abçs!

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