sexta-feira, 11 de março de 2011

Resenha: Aparador de Quimera, de Zenilda Lua

Nas palavras de Fernando Pessoa “a memória é a consciência inserida no tempo”. Essa frase funcionaria muito bem como epígrafe para Aparador de Quimera, segundo livro de Zenilda Lua, que é nostálgico do começo ao fim. As cartas e bilhetes que aparecem nas primeiras páginas dão o tom. A seguir, a autora explica: “Esse livro nasceu de uma saudade presa e funda.” Os poemas têm versificação livre, alguns são minimalistas, seguindo o estilo de Alfazema (primeiro livro da Zenilda), e outros estão estruturados em estrofes, como Quimera 2001, que é um dos pontos altos do livro. Extremamente econômica na pontuação, criando locuções substantivas muito curiosas ("Agenda horário escassez / Pressa lentidão asneira"), Zenilda, neste poema, depois de fazer alusões à internet e às novas tecnologias, traz à tona uma enxurrada de imagens da infância, que culminam com a declaração “meu coração é de roça”. As frases têm uma beleza sonora impressionante (“Feito açude que desaba”, “Fina e seca do roçado”, “Castanha assada no tacho”, “Dócil, meiga, camarada”). Outro poema interessante (e muito enigmático) é Presságio, o penúltimo do livro. Aqui o tom reflexivo dá lugar a uma pequena narrativa (um sonho?), que parece se referir à intermitência (sobrenatural?) dos lampejos poéticos. Terminei o livro com uma nostalgia da minha própria infância e uma agradável sensação de que “quase tudo é lírico”. Lembrei-me que eu também já me correspondi através de cartas e lamentei havê-las perdido. O que salta à vista em Aparador de Quimera é a singularidade da autora, não apenas da sua história, mas também de suas influências, a literatura de cordel, o folclore nordestino... Que riqueza para a poesia joseense! Acho que em nossa cidade temos uma forte tradição oral, os nossos autores tendem à declamação, mas os poemas de Zenilda Lua requerem uma leitura recolhida (que é altamente recompensadora). Para visitar o blog da autora, clique aqui.

Um comentário:

  1. Pablo

    Continuo emocionada
    tomada por uma gratidão decifrável.

    Os homens que se emocionam são muito mais capazes
    de conhecerem as doçuras da vida...(Descartes)

    De coração meu amigo.
    obrigada pela paciência de ouvir minha voz interna
    fragmentada e impressa. Aparada por quimeras
    tão significativas e presentes.

    Um abraço de conduta terna

    Zenilda.

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